PE:
dificuldade de acessar benefício é entrave a mães de bebês com microcefalia
- 01/03/2016 10h11
- Recife
Sumaia
Villela – Correspondente da Agência Brasil
Andreia com o filho João Lucas, de 6 meses, que tem
microcefalia. Ela precisa se deslocar 185 quilômetros em busca de tratamento. A
espera pelo atendimento do INSS chega a mesesSumaia Villela/Agência Brasil
Três vezes por semana, Andreia de
Andrade, de 24 anos, pega uma lotação da cidade onde mora, Belo Jardim, e
percorre 185 quilômetros até o Recife para chegar a uma das unidades de saúde
da capital pernambucana, onde o filho, João Lucas, de 6 meses, faz um
tratamento que vai durar por toda a vida. Ele tem microcefalia. A cada viagem,
ela paga R$ 100 ao motorista. Para ajudar nas contas, a jovem tenta dar entrada
no Benefício de Prestação Continuada
(BPC), do governo federal, mas a espera para conseguir atendimento
no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de meses.
“Logo depois que ele nasceu, eu
entrei com o pedido. O agendamento da perícia ficou para logo depois do
carnaval, dia 11 de fevereiro. Quando cheguei na agência da minha cidade,
disseram que não tinha perito especializado em microcefalia, então não era
possível fazer o atendimento. Remarcaram para o dia 4 de abril”, conta Andreia.
“Acho que, se lá não tem o perito, deveriam me mandar para outro canto que
tivesse”, acrescentou.
O benefício, no valor de R$ 880,
é concedido a pessoas de baixa renda, de qualquer idade, com deficiência de
natureza física ou mental que tenham impedimentos de longo prazo, mesmo que não
tenham contribuído com a Previdência Social. Por enquanto, Andreia só conta com
o salário mínimo do marido para arcar com as despesas mensais. Ela era
vendedora, mas saiu do emprego ainda grávida. “Meu chefe falou que a vaga era
minha, quando eu quisesse. Mas, agora, não posso mais voltar. Quem vai cuidar
do meu filho?”, indagou.
No Recife, João Lucas recebe atendimento na
neuropediatra da Associação de Assistência à Criança Deficiente, pela médica
Vanessa Van der LindenSumaia Villela/Agência Brasil
Como os gastos já ultrapassam os
ganhos, Andreia conta que só estão conseguindo se deslocar com a ajuda
financeira de parentes. O transporte gratuito da prefeitura não tem mais lugar,
de acordo com a ex-vendedora. “Estou aguardando vaga. Não posso perder as
consultas, então tenho que dar um jeito de trazer [para o Recife]. Ficar sem
atendimento a criança não pode. A Secretaria de Saúde de lá [Belo Jardim]
deveria ter uma estrutura lá”, disse. “Não tem hospital há mais de um ano,
porque foi fechado para reforma, e a policlínica não tem estrutura que atenda
as necessidades do tratamento”, completou. No município, é feito apenas o
acompanhamento com fonoaudiólogo e fisioterapeuta.
Demora no INSS
De acordo com o superintendente
do INSS no Nordeste, Rolnei Tosi, não existe a necessidade de contratação de um
especialista em microcefalia para realizar a perícia em bebês com a
malformação. “Não recebi nenhum caso em que o médico se recusou a fazer esse
tipo de atendimento. Se já vem todo o laudo, com todos os documentos que a
pessoa está com microcefalia, ela é considerada uma deficiente e pode ser
concedido o benefício.”
O superintendente afirmou que vai
pedir à agência do município informações sobre o motivo do reagendamento, pois,
segundo ele, a falta de atendimento também não poderia ocorrer por falta de
profissionais e, caso necessário, Andreia poderia marcar a perícia em outra
cidade, onde a fila estivesse menor. “Se abriu agenda no interior é porque o
médico vai estar lá. Mas isso não restringe que a pessoa só possa ser atendida
no interior. Ela vendo que tem como ser atendida no Recife pode vir
tranquilamente.”
Saiba Mais
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Mesmo assim, o caso da moradora de
Belo Jardim não é isolado: a demora para fazer a perícia existe. Um dos motivos
é a quantidade alta de procedimentos que não foram realizados nos últimos meses
por causa da greve dos médicos peritos, que durou mais de cinco meses e acabou
no dia 22 de fevereiro. Agora, todos os atendimentos têm que ser realizados de
uma só vez. “Por conta da greve, realmente, algumas agências chegam até a 90
dias [para agendar perícia], mas estamos dando prioridade a casos mais
complexos”, justificou Tosi.
Em Pernambuco, 30 pedidos para
acessar o Benefício de Prestação Continuada já foram feitos por famílias cujo
bebê tem microcefalia: cinco no Recife, 15 na gerência de Caruaru, oito na de
Garanhuns e três na de Petrolina. Apenas os cinco casos do Recife já passaram
por perícia. De acordo com o superintendente do INSS, até sexta-feira (1º)
nenhum deles havia recebido a primeira quantia.
Até na capital o tempo de espera
passa de um mês, pelo menos no caso de Alice Gabrielly Santana da Paz, de 16
anos, moradora do Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco. O filho
dela, João Heitor, tem dois meses. Ela buscou o benefício quando o bebê tinha
15 dias, mas a perícia só foi marcada para a última sexta-feira (26). "O
pai é pedreiro, mas foi demitido há pouco tempo. Eu não trabalho, estou morando
na casa da minha mãe. O menino ainda pegou uma alergia à fralda barata. Esse
dinheiro iria ajudar bastante, pelo menos saberia que tenho como arcar com
essas coisinhas do meu filho", contou, esperançosa, enquanto esperava o carro
da prefeitura buscá-la em mais uma consulta no Recife.
Mutirões
“Estamos fazendo mutirões para
atender toda a demanda. São três a quatro perícias a mais por dia. Algumas
gerências estão se propondo a fazer mutirão no fim de semana, só para fazer
perícia médica, e a orientação é encaixar os casos de microcefalia nesses
agendamentos extras. A gente está solicitando que o pessoal do atendimento
identifique esses casos para adiantar nos mutirões”, detalhou o superintendente
do INSS.
Uma questão burocrática, no
entanto, impede que os processos desses bebês sejam identificados com precisão.
É que não existe, no sistema usado pelo INSS, um código específico para a
malformação, então só é possível saber se o caso está ligado à microcefalia
quando a assistência social pergunta isso à mãe e indica essa característica à
agência. Tosi anuncia medidas para contornar a falha técnica. “Esta semana
vamos fazer encontro com gerentes do Nordeste para colher opiniões de como
vamos tratar esses casos, por enquanto que o sistema não tem essa
funcionalidade”. Além disso, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da
Universidade de Pernambuco (UPE), referência no diagnóstico desses bebês,
realizou palestras para que os funcionários do INSS entendam mais profundamente
a doença.
Troca de experiências
Para resolver questões como a
falta de transporte e estrutura para o tratamento dos bebês com microcefalia,
tirar dúvidas e até para se apoiarem emocionalmente, as mães dessas crianças
estão se organizando em grupos e encontros.
Em Belo Jardim, Andreia já
conseguiu reunir 13 mulheres que passam pelo mesmo desafio. “Quando descobri
que meu filho tinha microcefalia, eu postei uma mensagem no grupo de mães da
cidade no Facebook, perguntando se tinha alguém na mesma situação. Aí foi
aparecendo”, conta a jovem.
Elas se comunicam por um grupo de
whatsapp, e já fizeram o primeiro encontro presencial no fim de janeiro – “para
conhecer os bebês”, sorri Andreia. Mas não são só os laços afetivos que se
fortalecem. A falta de transporte gratuito municipal para levar os bebês em
consultas no Recife, por exemplo, está em discussão. “Estamos nos juntando para
ir à prefeitura e ver como eles podem nos ajudar”, conta a jovem.
Até a troca de informações a
respeito dos cuidados com as crianças são repassados no grupo. “Tem mães que os
bebês ainda não tiveram nenhum atendimento mais aprofundado. Então a gente que
vem, se desloca, pode passar alguma informação para elas porque muitas não vêm
por questão financeira”, acrescenta Andreia.
Edição: Talita
Cavalcante
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