Onde
estão os fundos para combater o ebola? Parte dos recursos destinados a países
africanos não chegou ao destino, diz organização
Thalif Deen | Nova York | IPS - 04/02/2016 - 08h24
Aproximadamente
US$ 1,9 bilhão dos fundos prometidos ainda não foram entregues e existe
'escassa informação' disponível sobre os US$ 3,9 bilhões restantes, segundo um
estudo da Oxfam Internacional
Quando a epidemia de ebola de
2014 começou na Guiné, Libéria e Serra Leoa, a comunidade internacional
respondeu com promessas de mais de US$ 5,8 bilhões para combater a enfermidade
que matou mais de 11.300 pessoas nesses países da África ocidental. Mas, seis
meses depois da Conferência Internacional sobre a Recuperação do Ebola,
organizada pela Organização das Nações Unidas, aproximadamente US$ 1,9 bilhão
dos fundos prometidos ainda não foram entregues e existe “escassa informação”
disponível sobre os US$ 3,9 bilhões restantes, segundo um estudo da Oxfam
Internacional.
Os fundos de recuperação
prometidos “são quase impossíveis de se rastrear”, de acordo com essa
organização humanitária com sede na Grã-Bretanha.“Essa falta de transparência
não se deve a uma única causa. É um desafio sistêmico que é responsabilidade
coletiva de todos – doadores, governos e organizações executantes – melhorar”,
apontou à IPS David Saldivar, da Oxfam Estados Unidos, ao ser perguntado
se a falta de transparência se deve à corrupção.
Flickr/CC/Global
Panorama
Epidemia mostrou que comunidades locais assumirem um papel de
liderança em sua própria atenção sanitária
A Oxfam considera que se deveria
dar mais fundos diretamente aos governos e às organizações locais, que entendem
melhor o contexto e as necessidades do lugar e são mais responsáveis diante das
comunidades que atendem. “É importante que os países que fizeram um trabalho
tão excelente com a recente crise do ebola recebam os fundos que lhes foram
prometidos”, destacou à IPS o porta-voz da ONU, Farhan Haq.
O foco de ebola não foi apenas um
revés para as economias dos países afetados, mas também devastou os sistemas de
saúde, por si só já inadequados, e arruinou os meios de vida de muitas pessoas,
afirmou a Oxfam. Entretanto, a epidemia de ebola ainda não terminou. A OMS (Organização
Mundial da Saúde) anunciou, no final de janeiro, que 150 pessoas foram expostas
ao risco da doença em Serra Leoa.
“Esse não é o fim do ebola na
África ocidental nem no mundo”, segundo a Oxfam. “Demorou quase dois anos, mais
de 11.300 mortes, numerosos recursos, assistência técnica e milhares de milhões
de dólares de todo o mundo para lidar com a epidemia na África ocidental,
concretamente na Libéria, Serra Leoa e Guiné”, pontuou Saldivar.
A Oxfam pediu aos chefes de
Estado e de governo africanos – que se reuniram na Etiópia para a cúpula da UA
(União Africana) entre 21 e 31 de janeiro – que dediquem sua atenção ao direito
à saúde. Segundo Saldivar, “a lentidão na identificação e resposta dos serviços
de saúde pública diante dos recentes casos em Serra Leoa e Libéria demonstram
claramente que ainda não são capazes de responder com eficácia ao ebola e a
outras doenças altamente contagiosas”.
Em abril de 2001, os governantes
da UA se comprometeram a fixar uma meta para destinar pelo menos 15% de seu
orçamento anual para melhorar o setor da saúde. Em 2013, bem antes do foco de
ebola, apenas seis Estados membros da UA haviam cumprido esse compromisso. A
média para a África ocidental foi de 8% e em Serra Leoa chegou a apenas 6,22%,
informou a Oxfam.
Flickr/CC/#ISurvived
Ebola
Korlia
Bonarwolo, sobrevivente da epidemia, dá treinamento a equipes de saúde na
Libéria
“Apesar de a Oxfam e outras
organizações responderem mediante a mobilização de voluntários comunitários,
isso não basta. Se vamos ter sucesso, as comunidades devem ser parte do
processo e do planejamento, desde o princípio”, indicou Aboubacry Tall, diretor
regional da Oxfam para a África ocidental.
“Depois do recente foco de ebola
na Libéria, fiquei horrorizado ao ver os mesmos padrões de desconfiança
pairando no ar. Os boatos eram inúmeros, alguns não acreditavam que fosse ebola
e outros acreditavam que tinha sido reintroduzido propositalmente. Esse tipo de
boato é muito perigoso”, alertou Tall.
Para evitar que a mesma tragédia
se repita, a Oxfam exortou os governos de Guiné, Libéria e Serra Leoa a
facultar às comunidades locais assumirem um papel de liderança em sua própria
atenção sanitária, garantindo que a população participe plenamente das decisões
sobre a destinação dos recursos e sua utilização.A experiência da Oxfam durante
a resposta ao ebola demonstrou que a liderança comunitária e a confiança nos
sistemas de saúde locais são absolutamente vitais e devem ser consideradas como
uma necessidade médica, acrescentou.
Perguntado sobre se a redução nos
fundos se deve à recessão econômica mundial e à queda dos preços do petróleo,
Saldivar respondeu que o sistema humanitário mundial deve lidar com um número
sem precedentes de crises simultâneas, o que faz com que seja ainda mais
importante que os países que estão se recuperando de problemas como o foco de
ebola tenham as ferramentas e o apoio que necessitam, incluída a informação
para planejar e administrar a recuperação.
Para Saldivar, “o maior problema
é com o acompanhamento dos fundos de recuperação e a falta de um sistema único
para a apresentação de relatórios com informação clara e atualizada de todos os
doadores”. Os doadores reportam a informação de diferentes maneiras, por isso
os atores locais têm dificuldade para rastrear os fundos.
Mais de US$ 1 bilhão em fundos
prometidos pelos principais doadores estão à disposição dos países na medida em
que os governos determinem suas necessidades de recuperação mais graves.“É
razoável que, a apenas seis meses da conferência da ONU, não se tenha gasto
todos os fundos prometidos. Mas a questão mais importante é que os atores
locais merecem ter informação atualizada sobre a situação para que possam
vigiar e ter voz sobre como são gastos os recursos”, ressaltou Saldivar.
Publicado
originalmente pela IPS/Envolverde
0 Comentários