Conheça a jovem baiana que está
sendo disputada por 9 universidades dos EUA
Em 2014, Georgia foi recusada pelas escolas nas
quais tentou vaga. Neste ano, conquistou nomes como Columbia: "As
circunstâncias não podem te dar limites"
Por
Lecticia Maggi
Georgia Gabriela Sampaio. Guarde
este nome. Esta brasileira de 19 anos promete fazer história: nordestina –
nascida e criada em Feira de Santana, na Bahia – negra, de classe média baixa
(filha de uma cabeleireira e de um comerciante) será a primeira de sua família
a entrar na universidade. Ela só não sabe qual ainda, pois foi aprovada em
Stanford, Columbia, Dartmouth, Yale e Duke – universidades norte-americanas que
estão entre as melhores e mais seletivas do mundo. Em Stanford, por exemplo,
somente 5,1% dos candidatos que tentaram uma vaga em 2015 foram aceitos.
Georgia também é disputada por
Middlebury, Northeastern, Barnard e a inovadora Universidade Minerva.
Em Duke, conseguiu uma bolsa de
estudos que cobre integralmente o valor da mensalidade de US$ 47.488 por ano,
gastos com alimentação e moradia e ainda prevê um auxílio anual de US$ 7 mil
para a realização de pesquisas. A instituição está realmente determinada
a tê-la. “Meu Deus, é muito difícil escolher. Estou entre Stanford e Duke, mas
imagina só: como eu vou dizer ‘não, obrigada’ para Yale ou Columbia?”, ri,
nervosa. “Será que eu posso fazer um semestre em cada?”, brinca.
Antes de poder dizer ‘não’, no
entanto, Georgia ouviu muitos ‘nãos’: em 2014, foi rejeitada pelas sete
universidades nas quais tentou ingressar; foi reprovada em programas de preparação
para a graduação fora, e viu sua pesquisa científica ser ignorada.
Como foi a
reviravolta? Conheça a história dela a seguir:
Infância e incentivo aos estudos
Durante a infância, Georgia
sempre foi incentivada pelos pais a estudar. Sua mãe, Sidney, ciente da baixa
qualidade, em geral, das escolas públicas de seu bairro, batia na porta de
escolas particulares em busca de bolsa de estudos para a filha. Cabia à Georgia
se destacar para “justificar” o investimento das instituições. “Participava de
várias olimpíadas científicas para poder apresentar um currículo legal para as
escolas e assim ganhar as bolsas. Lembro que era das poucas meninas que
participava dessas competições e a única negra”, diz.
Foi com essa tática de pedir
bolsas de estudo que ela cursou o ensino médio de graça no colégio Helyos, um
dos mais prestigiados – e caros – de Feira de Santana.
1ª
tentativa de estudar fora
Meu inglês não era muito bom,
então, eu dava aulas de inglês básico para poder pagar as minhas próprias aulas
No final de 2012, Georgia
descobriu que havia a possibilidade de estudar nas melhores escolas do mundo.
Mas, para isso, precisaria enfrentar o processo de application (candidatura), que
envolve provas padronizadas (SAT
ou ACT), exame de proficiência em inglês (TOEFL ou IELTS), análise de currículo
escolar, envio de cartas de recomendação e redações.
“Em junho de 2013, fiz o SAT pela
1ª vez e fui péssima, tirei 1.560 pontos”, conta. A prova vale 2.400 pontos e
as melhores universidades costumam avaliar candidatos que conseguem acima de
2.000. “Meu inglês não era muito bom, então, eu dava aulas de inglês básico
para poder pagar as minhas próprias aulas”, explica.
O processo todo foi permeado de
contratempos: “Como tive que trabalhar para pagar as taxas das provas, não pude
me dedicar como gostaria aos estudos. No fim daquele ano, fiquei doente e
passei 15 dias internada. Quando fiz o TOEFL e o SAT 2 ainda estava mal. A
diretora da minha escola fez uma carta de recomendação generalista e que
poderia servir para qualquer um…” Em resumo, deu tudo errado. Ela foi rejeitada
nas sete universidades que prestou, incluindo Yale, Duke e Columbia, que agora
a disputam.
Foi reprovada também nos cursos
preparatórios gratuitos para graduação no exterior oferecidos pela EducationUSA
e a Fundação Estudar (desculpa, Georgia!).
Tentar de
novo?
Como havia sido aprovada no
vestibular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tinha uma
graduação “garantida”, Georgia convenceu os seus pais de que deveria tentar de
novo uma vaga em uma universidade fora.
Estudei o livro inteiro do TOEFL
(…) Também imprimi 10 simulados do SAT
Em 2014, no gap year,
dedicou-se integralmente a tornar seu perfil mais competitivo. O primeiro passo
foi melhorar as notas no TOEFL e no SAT: “Estudei o livro inteiro do TOEFL e
acho que isso me ajudou muito com listening e speaking. Também imprimi
10 simulados do SAT. Primeiro, treinei responder às questões no tempo exigido.
Depois, refiz tudo para responder certo”, diz. Em janeiro deste ano, em sua
terceira e última tentativa, ela obteve 2.070 pontos no SAT.
Paralelamente aos estudos,
Georgia se dedicou a atividades extracurriculares – trabalho voluntário,
simulações da ONU, grupos de discussões políticas e feministas – e à sua
pesquisa sobre endometriose.
O desejo por estudar um tema tão
específico ligado à saúde da mulher surgiu após uma tia materna ter que retirar
o útero, no fim de 2012, por conta da doença. O diagnóstico da endometriose,
descobriu a jovem, é caro e feito com base em exames de ultrassonografia e
ressonância magnética, fazendo com que muitas mulheres – a exemplo de sua tia –
descubram a doença quando já é tarde demais.
“Meu objetivo é encontrar formas
de tornar o diagnóstico da endometriose mais simples a barato por meio de
exames laboratoriais (como o de sangue) e não de imagem”, diz.
Não conheço outra brasileira,
nordestina e negra que tenha sido aprovada nessas universidades. Mas há muita
gente que é capaz e que precisa de oportunidade e, principalmente, de acreditar
que pode
Georgia conta que procurou
diversos médicos, laboratórios e universidades brasileiras, mas sua pesquisa só
recebeu atenção depois que ela foi selecionada pelo programa Village to Raise a Child, criado por alunos
de Harvard para identificar empreendedores que estivessem fazendo a diferença
na comunidade em que vivem. No final de 2014, ela viajou aos EUA com todas as
despesas pagas para palestrar na mais conceituada universidade do mundo. O
episódio foi um divisor de águas: “Foi fundamental para validar minha pesquisa
e, depois de tantas negativas, mostrar que o assunto é importante sim e que
devo continuar investindo nisso”.
Fim ou
começo?
O resultado dos esforços de 2014
veio em março, com as cartas de aprovação das nove universidades. Quando
questionada como enxerga o próprio feito, Georgia não titubeia: “Não gosto de
me ver como exceção, ainda que eu seja. Não conheço outra nordestina, negra que
tenha sido aprovada nessas universidades. Mas há muita gente que é capaz e que
precisa de oportunidade e, principalmente, de acreditar que pode”.
“Durante minha vida, sempre fui
conquistando coisas bacanas. Por exemplo: estudar no Helyos era algo inacreditável
para alguém do meu contexto, passar na UFRJ também. Então, comecei a achar que
era possível fazer o application porque já tinha conseguido outras
coisas ‘impossíveis'”, afirma.
Segundo ela, o que fez a
diferença foi tentar sempre “ir além” do seu limite, ainda que este “além” seja
diferente para cada pessoa: para alguns, pode ser ser a aprovação em um
vestibular local, a conquista de um estágio ou o aprendizado de uma nova
língua. “Fácil não é, mas acho que você não pode permitir que as circunstâncias
te deem limites”.
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